
O Conselho Federal de Odontologia alerta: pacientes não devem confiar em todas as informações disponíveis na Internet para consultas sobre sintomas e tratamentos de doenças orais. O uso dos buscadores pode representar risco à saúde bucal na medida em que os resultados podem levar à confusão entre possíveis diagnósticos e adiar a busca por atendimento profissional, provocando agravamento de quadros clínicos. O problema, que é real desde que a Internet chegou a computadores pessoais e celulares, foi ampliado com as ferramentas de Inteligência Artificial.
Popularmente chamados de “Dr Google”, pelo alto índice de pesquisas relacionadas à área da saúde que recebem dos usuários, os buscadores online devem ser evitados. Para demonstrar os riscos desse tipo de “consulta”, o programa CFO Esclarece usou um aplicativo de Inteligência Artificial para simular, de forma aleatória, uma possível dúvida de um paciente. A questão digitada foi: “Estou com dor de dente e gengiva vermelha. O que pode ser? Qual remédio tomar?”.
Como resposta, a IA indicou possibilidades amplas de diagnóstico como, por exemplo, “gengivite, periodontite, cáries, abscesso dental ou outras infecções”. O aplicativo ainda sugeriu medidas para alívio da dor, como fazer “higiene bucal delicada”, realizar “enxague com água morna”, evitar “alimentos quentes frios ou doces” e ainda “usar analgésicos de venda livre, como paracetamol ou ibuprofeno, seguindo a dosagem recomendada”. Apenas ao final, a IA alerta que “o mais importante é buscar atendimento odontológico para um diagnóstico correto e tratamento adequado”.
O conselheiro federal do CFO, Eduardo Ferro, especialista em Endodontia, avaliou as respostas e aponta os erros e riscos contidos nela: “Uma gengiva vermelha, juntamente com relato de dor intensa, pode ser sinal de quadro infeccioso, sendo que, confirmado o diagnóstico, o paciente precisará ser medicado adequadamente e com urgência. Desta forma, a primeira indicação da ferramenta de IA deveria ser para que o paciente busque atendimento odontológico, apontando inclusive as consequências sérias de demora na procura pelo cirurgião-dentista em casos de infecções”, pontua.
Ferro ainda complementa: “Além disso, ao sugerir medidas paliativas como enxague com água morna e a automedicação, a ferramenta estimula a postergação da busca pelo atendimento profissional. Isso é perigoso porque pode haver agravamento da infecção, que se não tratada pode trazer prejuízos consideráveis à saúde do paciente. Ou seja, estamos falando de situações potencialmente graves e que efetivamente podem acontecer”.
O cirurgião-dentista Rafael Moraes é professor e pesquisador da Faculdade de Odontologia da UFPEL, mestre e doutor em Odontologia pela Unicamp com 20 anos de experiência com publicações científicas internacionais, e também comenta os riscos das pesquisas online sobre sintomas de saúde bucal: “Dores de diferentes origens, lesões em tecidos moles, manchas nos dentes ou em restaurações; tudo isso pode ser facilmente confundido por quem não tem conhecimento técnico. Essas semelhanças podem gerar dois riscos opostos: o alarmismo desnecessário ou a postergação da busca por orientação profissional. Em alguns casos, o paciente pode até recorrer a decisões equivocadas, como tratamentos caseiros ou soluções ‘milagrosas’, muitas vezes vistas como alternativas rápidas e baratas”.
Novos tempos: novas problemáticas
As pesquisas online sobre sintomas e condições de saúde em geral, incluindo-se as de saúde oral, são reflexo do surgimento das novas tecnologias e dos hábitos da sociedade contemporânea. Impensadas há algumas décadas, hoje as buscas tornaram-se rotineiras para uma parcela da população que faz uso diário da Internet, redes sociais e aplicativos de Inteligência Artificial. O uso das ferramentas por si só não é um problema, mas, sim, a forma equivocada com que as informações podem eventualmente ser interpretadas e usadas pelas pessoas.
“A Internet tem muita informação de qualidade, mas também tem muito conteúdo incorreto ou fora de contexto. E nem sempre quem está buscando sabe diferenciar e avaliar com bom senso aquilo que está lendo. Então o problema é que, muitas vezes, essas ferramentas se tornam fontes de verdade, quando deveriam apenas servir como pontes. Na Odontologia, as buscas podem levar a interpretações erradas, atrasos na busca pelo atendimento e, consequentemente, aos tratamentos, ou até mesmo a decisões perigosas. Em minha opinião, as maiores vítimas da IA serão justamente aqueles que menos entendem como essa tecnologia funciona. Essas ferramentas podem ser valiosas, desde que utilizadas com responsabilidade e em contextos apropriados”, esclarece Rafael Moraes.
A chegada das ferramentas de Inteligência Artificial generativa, de fácil utilização pelo público, ampliou o risco potencial aos pacientes. “Antes, os internautas que recorriam ao Google ou às redes sociais se deparavam com conteúdos produzidos e publicados por pessoas — o que já representava um desafio em termos de qualidade e confiabilidade da informação. Agora, com a IA generativa, temos sistemas capazes de produzir respostas completas em segundos, com aparência de autoridade e linguagem convincente. Essas ferramentas também estão sujeitas a alucinações, ou seja, respostas inventadas que parecem verdadeiras, mas não têm base real; um risco considerável quando o usuário não tem conhecimento técnico para julgar o que está lendo”, complementa o cirurgião-dentista.
Olhar humanizado do cirurgião-dentista nunca será substituído
O uso da Inteligência Artificial como instrumento de trabalho é uma realidade em muitas áreas, sendo que a tendência é que os recursos sejam ampliados e estejam cada vez mais presentes no cotidiano laboral, agilizando processos e auxiliando tomadas de decisões. Na Odontologia não é diferente. Já existem recursos confiáveis disponíveis, como softwares voltados à interpretação de exames de imagens, aprimoramento de escaneamentos intraorais, automatização de etapas repetitivas do fluxo digital, suporte à organização de dados clínicos, entre outros. E a tendência é que novas tecnologias sejam lançadas.
O Conselho Federal de Odontologia destaca que as ferramentas de IA são recursos complementares e bem-vindos nos consultórios, mas não substituem o cirurgião-dentista. É o profissional que tem a capacidade de lançar ao paciente o olhar humanizado necessário para entendimento de cada caso de forma individualizada, atendendo a suas peculiaridades clínicas e necessidades pessoais. Por isso, as consultas odontológicas não devem ser negligenciadas ou adiadas em razão do uso dos buscadores ou dos aplicativos de IA.
O conselheiro do Conselho Federal de Odontologia, Eduardo Ferro, deixa o alerta sobre a importância de os pacientes procurarem o cirurgião-dentista ao menor sinal de alterações na cavidade bucal. “Buscas na Internet podem ser úteis, mas apenas como fontes de referência. As informações não devem ser colocadas em prática. Desta forma, a população deve se conscientizar de que problemas orais devem ser avaliados e tratados por cirurgiões-dentistas, sendo importante que realizem consultas odontológicas de forma regular ou sempre que houver o aparecimento de uma urgência ou emergência”, pontua.