Ao chegar ao final de mais uma gestão, Miguel Álvaro Santiago Nobre faz um balanço da sua passagem de quase dez anos pelo Conselho Federal de Odontologia como presidente e dos planos para o futuro.
Por Bruna Oliveira
Brasileiro, natural de Porto Alegre (RS); Cirurgião-Dentista diplomado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, em 1973; inscrito no Conselho Regional de Odontologia do Rio Grande do Sul sob o nº 3.881; especialista em Prótese Dentária, professor, homenageado por diversas instituições, entidades e eventos da Odontologia brasileira e, desde o ano 2000, presidente do Conselho Federal de Odontologia (CFO). Esta é apenas uma pequena apresentação de Miguel Álvaro Santiago Nobre, atual presidente do maior órgão da Odontologia brasileira que tem como principal finalidade a supervisão da ética odontológica em todo o território nacional, que legisla por meio de Atos Normativos, julga Processos Éticos e centraliza as informações sobre cursos de Especialização registrados e reconhecidos, bem como sobre o número de inscritos em todo o Brasil, entre Cirurgiões-Dentistas, Auxiliares de Consultório Dentário, Técnicos em Higiene Dental, Técnicos em Prótese Dentária, Auxiliares de Prótese Dentária e Clínicas Odontológicas, o CFO.
Miguel Nobre começou no Conselho Federal de Odontologia como membro efetivo. Depois, foi membro da Comissão de Tomada de Contas e tesoureiro da autarquia até que em 2000 assumiu o posto de presidente do CFO e, agora, depois de quase dez anos, se prepara para deixar a função. É porque no começo de novembro o CFO elege novo Plenário, o qual tomará posse em 4 de dezembro e, Miguel Nobre, não fará parte deste novo triênio 2009/2012.
Muitas foram as mudanças que implantou, muitas foram as lutas que travou, muita coisa aprendeu, muitas homenagens recebeu, muitas pessoas conheceu. Em entrevista exclusiva ao APCD Jornal, Miguel Nobre faz um balanço de suas gestões, em especial a do último triênio (2006/2009) à frente da autarquia e, ainda, fala sobre os planos futuros. Confira:
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APCD Jornal – Quais pontos o senhor destacaria do trabalho desenvolvido no CFO nos últimos anos?
Miguel Nobre – De mais de 40 pontos com os quais nos comprometemos, cumprimos praticamente tudo. Dentre tantas ações, é difícil destacar algumas, pois acabamos deixando outras conquistas de fora. Afinal, se algumas não foram igualmente importantes para o conjunto da categoria é sinal de que as demandas foram diversas e, em alguns casos, tivemos que atender a um segmento específico. Ainda assim, mesmo que não diretamente, após esses anos, vejo que tudo o que o CFO realizou de 2000 para cá elevou o status da Odontologia perante os governos, os parlamentares e a sociedade em geral. Vou citar um exemplo: a aprovação da lei federal que regulamenta o exercício dos Técnicos e Auxiliares em Saúde Bucal. Em princípio, pode ser tida como uma vitória apenas desses profissionais auxiliares, mas, na verdade, teve um impacto muito mais amplo, pois permitiu a ampliação das Equipes de Saúde Bucal na Estratégia de Saúde da Família, pois a falta de regulamentação dos TSBs e ASBs era um grande empecilho para as contratações nas prefeituras. Por falar nas prefeituras, elas passaram a receber, a partir de 2003, com o programa Brasil Sorridente, do governo do presidente Lula, recursos destinados exclusivamente ao atendimento em saúde bucal. Fato inédito no país.
Então, onde é que o CFO entra nisso? Como fazia parte de nossas metas incrementar a participação da Odontologia nos municípios e apoiar as políticas do SUS, decidimos criar um prêmio nesse sentido. Em 2005, o CFO lançou o pioneiro Prêmio Brasil Sorridente/Conselhos de Odontologia. Em três anos, CFO e CROs, com o apoio do Ministério da Saúde e da Dabi Atlante, premiaram quatro prefeituras e entregaram mais de uma dezena de menções honrosas a outros municípios. A premiação gerou centenas de notas e matérias na imprensa nacional, projetando o nome dessas cidades como exemplos de gestão em saúde bucal. Dessa forma, contribuímos para o cumprimento de outra de nossas metas: atuar junto ao governo federal pela interiorização do Cirurgião-Dentista. No aperfeiçoamento normativo da profissão, vale ressaltar a 2ª Aneo (Assembleia Nacional de Especialidades Odontológicas), que aprovou cinco novas especialidades. Acredito que toda reivindicação deva ser deliberada democraticamente. E assim sempre fizemos. Como em 2002, com o Fórum que regulamentou o uso da Analgesia na Odontologia, e em 2008, com a realização do Fórum pela Regulamentação das Práticas Integrativas e Complementares à Saúde Bucal. Mas se por um lado nos mantivemos atentos ao dever de garantir uma normatização em harmonia com as exigências éticas e técnicas da profissão, por outro, não deixamos de investir na ampliação da influência política da Odontologia na sociedade. Lutamos ao lado das entidades de classe pela aprovação de diversos projetos de lei. Visitamos líderes parlamentares, participamos de audiências públicas e mobilizamos a classe em torno de projetos como o do piso salarial e da Odontologia do Trabalho, que hoje se encontram bem mais próximos da aprovação final.
APCD Jornal – Quais as principais mudanças realizadas e o impacto que elas tiveram ou ainda terão num futuro próximo, na sua opinião?
Miguel Nobre – Acho que o grande legado desses anos está no comportamento das entidades odontológicas e do próprio Cirurgião-Dentista. Graças a todo esse esforço de aproximação com o poder público, tanto no governo federal como no Congresso Nacional, há hoje uma percepção mais clara da importância de influenciar na formação de frentes parlamentares da saúde nos Estados; de participar das comissões municipais e estaduais de Saúde; e de se afirmar como um interlocutor qualificado que não está agindo pensando apenas em seu benefício, mas na garantia do acesso da população à saúde de qualidade. De forma geral, vejo como legado uma maior maturidade da classe e a consciência de que precisa participar mais ativamente da vida política do país. Me sinto realizado por saber que o próximo Plenário do CFO tem estatura moral, qualidade intelectual e muita competência para dar vários passos adiante em relação ao que já foi feito nessa década. Estou seguro disso. Não tenho dúvida de que a categoria odontológica continuará sendo muito bem representada pelo CFO.
APCD Jornal – Como o CFO procurou se relacionar e estabelecer parcerias com os órgãos públicos? E com os CROs?
Miguel Nobre – Como disse antes, a criação do Prêmio Brasil Sorridente/Conselhos de Odontologia foi um ótimo exemplo de parceria com órgão público e também privado (no caso, a Dabi Atlante, que doa um dos consultórios entregues), a fim de estimular o investimento em saúde bucal nos municípios. Acrescentar que essa parceria inclui os Conselhos Regionais seria uma redundância, pois vejo CFO e CROs como uma só Autarquia, como de fato é, um só Sistema. Outro exemplo, mais recente, foi a criação da Comissão de Saúde Bucal dentro do Conselho Nacional de Saúde. Presidida pela Cirurgiã-Dentista Graciara Azevedo, esta comissão é considerada estratégica pelo presidente da entidade, Francisco Júnior. Em artigo publicado no Jornal do CFO, ele disse textualmente que “a saúde bucal deve ser definida como uma política indissociável da saúde no seu contexto mais amplo e profundo”.
Também investimos na vocação internacional da Odontologia brasileira, criando, ao lado da Ordem dos Médicos Dentistas de Portugal, a Associação Dentária Lusófona (ADL). Através dela, abrimos um canal de diálogo com os países de língua portuguesa da África e Oceania que carecem ainda de uma estrutura organizacional e de incentivos para o estabelecimento de um mercado de trabalho para a Odontologia. Há perspectivas reais de expansão da indústria odontológica nacional nesses países, com o apoio já declarado de nossos colegas portugueses.
APCD Jornal – E como o senhor descreve o relacionamento com as entidades de classe, especialmente com a APCD?
Miguel Nobre – De mútuo aprendizado e crescimento. Afinal, pertencemos todos à mesma rede cuja função primordial é atender e representar bem os profissionais de Odontologia. Porém, o mais importante é que temos muito mais do que palavras bonitas para descrever essa relação. Temos resultados práticos. Um exemplo: a publicação da nova Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Odontológicas (CBHPO), que está se materializando agora e é fruto do trabalho de anos da Comissão Nacional de Convênios e Credenciamentos (CNCC), integrada pelas principais entidades nacionais da profissão. Em 2003, a união das entidades nacionais da Odontologia já resultará numa pesquisa sócio-econômica sobre o Cirurgião-Dentista. Pioneira, essa pesquisa mostrou a necessidade de se desenhar de forma mais precisa o perfil do Cirurgião- Dentista, o que agora está sendo possível na pesquisa coordenada pelo Ministério da Saúde, que contou com a participação do CFO. Nesses nove anos, de modo geral, aprofundamos a parceria do CFO com as entidades odontológicas. Costumo dizer que tudo nos une em torno da missão de propagar a Odontologia junto à população. Nesse aspecto, o apoio da APCD foi fundamental. Graças à sua capilaridade no Estado de São Paulo, com seus projetos em parceria com os municípios e sua inquestionável força política, o CFO conseguiu aprofundar o diálogo com a classe e ouvir mais de perto seus anseios.
APCD Jornal – Na sua opinião, como a Odontologia é vista hoje pelos próprios profissionais e pela população em geral? Como o CFO tem agido no sentido de valorização e defesa da profissão?
Miguel Nobre – Quero crer que de forma muito mais positiva do que há dez anos. Acredito que a classe, na verdade, já começou a colher frutos importantes, seja na abertura de frentes de trabalho no setor público, a partir do programa Brasil Sorridente, seja no “autorrespeito” que se consolidou com uma ação política mais conseqüente e mais integrada. Sinto que a atitude proativa do CFO, ao se fazer presente junto ao governo e ao legislativo, em defesa da profissão, cristalizou no poder público o valor da profissão. Isso se reflete hoje, inclusive, na boa relação com outros conselhos profissionais da área de saúde, em acordos como o que o CFO sacramentou com o CFM no que tange à atuação do especialista em Cirurgia Bucomaxilofacial. É difícil avaliar com exatidão como os profissionais veem a atuação dos Conselhos de Odontologia, em especial do CFO. Mas estamos seguros de que criamos ferramentas que mostram nossa disposição de dialogar com a classe. O portal do CFO na Internet, que acaba de passar por uma profunda reformulação, é o melhor exemplo disso. Através dele, nos últimos anos, a categoria foi consultada sobre diversos temas que afetam seu dia a dia. Centenas de milhares de profissionais puderam se manifestar através das enquetes e dos fóruns de discussão. Em geral, essas manifestações mostram o reconhecimento pelo esforço do CFO em ir além da sua missão básica de normatizar e zelar pela ética na profissão. Investimos na politização da classe e isso está influindo diretamente na valorização da profissão.
APCD Jornal – Dez anos à frente de uma autarquia como o CFO é muito tempo. O que isso trouxe de experiência e aprendizado pessoal para o senhor? O que pretende fazer daqui para frente?
Miguel Nobre – Com relação ao tempo que permaneci no CFO, parece que foi um piscar de olhos, pois os desafios vividos não foram poucos. Considerando o que a classe necessita, acredito que será necessário mais tempo para que possamos ver uma categoria politizada o suficiente, de modo que ela se torne um verdadeiro diferencial entre as profissões de saúde. Me refiro, por exemplo, à existência de mais Cirurgiões-Dentistas filiados aos seus sindicatos e suas associações; e a uma participação mais efetiva de todos nas iniciativas dos Conselhos de Odontologia. No plano pessoal, o aprendizado foi incalculável. É curioso como ficamos mais objetivos com o passar do tempo, como desenvolvemos a paciência e a capacidade de ver pelos olhos dos outros. Pretendo continuar levando a vida que levava antes, atendendo meus pacientes no consultório, dando minhas aulas na faculdade. Vou continuar sendo o que sempre fui: um cidadão que dedica a vida à Odontologia.
APCD Jornal – O que os Cirurgiões-Dentistas podem esperar do CFO no futuro? Como a classe deve estar mais envolvida nas questões que a dizem respeito?
Miguel Nobre – Acho que poderíamos também inverter a ordem dessa questão, ou seja, o que o CFO pode esperar dos Cirurgiões-Dentistas no futuro? Faço essa provocação pelo seguinte fato: com a integração dos Conselhos de Odontologia, seja através do banco de dados atualizado online, das rotinas contábeis, do planejamento administrativo e, agora, da comunicação como novo portal do CFO, o atendimento das demandas do profissional tende a se dar de forma ainda melhor e em menos tempo. Assim, vai sobrar mais tempo para a classe interagir com seus CROs e o CFO, colaborando nas discussões e mobilizações em torno das grandes questões da Odontologia. Te dou um exemplo: em breve, os projetos de lei que criam o novo piso salarial de Cirurgiões-Dentistas e Médicos e a Odontologia do Trabalho poderão ir à votação final. Quando isso acontecer, a participação direta dos profissionais poderá ser determinante para sua aprovação.
APCD Jornal – Uma mensagem de encerramento.
Miguel Nobre – O que posso dizer é que me sinto um homem realizado por ter tido a oportunidade de participar ativamente da história da minha profissão. Espero ter contribuído para o seu aperfeiçoamento, tanto através de ganhos objetivos como, também, nas conquistas subjetivas como a melhoria da autoimagem da profissão. Hoje, eu não tenho dúvida: embora ainda haja muito o que se avançar, o Cirurgião-Dentista tem mais clareza do seu valor e está mais consciente do papel que pode desempenhar na vida política do país e, em particular, na saúde integral dos cidadãos.
Fonte: Jornal da APCD – Novembro 2009