Dia Nacional das Crianças: manter os dentes decíduos preservados é essencial para o nascimento dos permanentes

Utilizada como pano de fundo em uma abordagem mais lúdica, a história da Fada do Dente pode ser um bom recurso para o cirurgião-dentista orientar os pacientes sobre a importância de cuidar bem dos primeiros dentes que nascem na boca

Diversas culturas ao redor do mundo utilizam a figura da Fada do Dente para tranquilizar as crianças na fase de troca da dentição, que geralmente ocorre entre os 6 e 12 anos. A história, contada há séculos, diz que, ao deixar o dente que caiu debaixo do travesseiro, a fada o troca por um presente. Essa narrativa ajuda a criança a assimilar de forma positiva e lúdica a perda do dente. Assim, os cirurgiões-dentistas podem utilizar o conto como apoio para as orientações sobre os cuidados com os dentes decíduos (dentes de leite), que são essenciais para o correto nascimento dos permanentes.

Em celebração ao Dia Nacional das Crianças, comemorado em 12 de outubro e instituído em 1924, por meio do Decreto Federal nº 4.867, o Conselho Federal de Odontologia (CFO) e os 27 Conselhos Regionais de Odontologia (CROs) reforçam, por meio do programa CFO Esclarece, voltado à divulgação de informações orientativas em favor da classe odontológica e da população em geral, a importância dos cuidados com os dentes decíduos e da manutenção das consultas odontológicas regulares.

Antes de abordar o processo de troca dentária, a cirurgiã-dentista, especialista, mestre e doutora em Odontopediatria Juliana Sarmento Barata explica que os dentes decíduos, também conhecidos popularmente como dentes de leite, irrompem até os 3 anos de idade. “Será um total de 20 dentes, 10 superiores e 10 inferiores. Porém, é importante reforçar que cada criança possui seu próprio tempo de desenvolvimento”, elucida.

Troca dos dentes

Por volta dos 6 anos, os dentes decíduos começam a amolecer e cair para dar espaço aos permanentes. A sequência de troca, em geral, ocorre da seguinte forma: inicialmente caem os incisivos centrais inferiores, seguidos pelos incisivos laterais inferiores, incisivos centrais superiores, incisivos laterais superiores, caninos inferiores, primeiros molares inferiores, primeiros molares superiores, segundos molares inferiores e superiores e, por último, os caninos superiores.

Juliana Barata esclarece que a substituição ocorre porque o dente permanente, durante sua formação, absorve a raiz do dente decíduo, fazendo com que ele amoleça e caia, permitindo a erupção do definitivo. “Ou seja, de modo geral, os dentes de leite são os guias dos permanentes, por isso sua preservação e cuidado são fundamentais”, destaca.

Os primeiros dentes permanentes a erupcionar na boca da criança são os primeiros molares, que surgem atrás dos segundos molares decíduos. Eles aparecem quando a mandíbula adquire espaço suficiente, sem substituição de dentes anteriores. Em seguida, nascem os segundos molares permanentes, e, por último, os terceiros molares, conhecidos como dentes do siso, geralmente a partir dos 17 anos.

A importância da preservação dos dentes decíduos

A conselheira federal do CFO e especialista, mestre e doutora em Odontopediatria, Sandra Regina Pereira Silvestre, reforça a importância do acompanhamento odontológico regular para garantir que os dentes permanentes cresçam saudáveis e prevenir más oclusões e outros possíveis problemas odontológicos.

“Os dentes decíduos desempenham papel fundamental no desenvolvimento das arcadas dentárias, sendo sua preservação essencial para a prevenção de más oclusões. A perda precoce desses dentes é relativamente frequente e pode estar associada a fatores como cárie dentária, restaurações inadequadas, anquilose, traumatismos ou reabsorções anormais. A cárie, em especial, é uma doença biofilme-açúcar dependente, que promove a destruição progressiva da estrutura mineral do dente”, pontua.

Sandra destaca, ainda, a relevância da reabilitação oral em casos de extensa destruição ou perda dentária, seja em decorrência de cárie, trauma ou outras causas. Quando necessário, podem ser indicados aparelhos que auxiliem na erupção adequada dos dentes permanentes. “A reabilitação é indispensável e pode envolver a confecção de novas restaurações ou o uso de mantenedores de espaço. A escolha do dispositivo deve ser criteriosa, pois interfere diretamente no posicionamento dentário e, consequentemente, na oclusão do paciente, além de prevenir a migração dos dentes adjacentes para o espaço edêntulo”, afirma.

A conselheira também alerta para o desenvolvimento de hábitos nocivos, como sucção digital, lingual, labial ou de objetos, que podem ser favorecidos pela ausência de dentes na região anterior, prejudicando o desenvolvimento dos permanentes.

A doutora em Odontopediatria e vice-presidente da Associação Brasileira de Odontopediatria (ABOPED – Nacional), Letícia Vieira Pereira, reforça que os dentes decíduos são fundamentais para a saúde bucal infantil. Além de manterem o espaço para os permanentes, atuando como guias de irrupção, favorecem funções fisiológicas essenciais como mastigação, deglutição e fonação.

“A preservação do sorriso infantil e da saúde bucal desde cedo reflete na saúde geral, impactando o bem-estar, a qualidade de vida e a autoestima da criança. O cuidado com a saúde bucal deve começar no início da vida do bebê ou mesmo com informações fornecidas ainda durante a gestação”, frisa.

Letícia enfatiza que é imprescindível a visita regular ao cirurgião-dentista, especialmente ao odontopediatra, para o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento da criança até a adolescência.

“Nessas consultas, pais e familiares recebem orientações sobre higiene bucal, alimentação infantil, desenvolvimento das arcadas e cuidados com a saúde bucal em cada fase da vida, além do estímulo à autonomia, sempre com acolhimento e afeto”, complementa.

O que fazer com o dente que caiu?

Após a perda do dente decíduo e de a “Fada do Dente” tê-lo trocado por um presente, qual é o destino correto? Muitos pais guardam o dente como lembrança, mas, quando isso não ocorre, geralmente são descartados em lixo comum, o que não é indicado.

De acordo com o cirurgião-dentista integrante do Biobanco de Dentes da Universidade de Odontologia da USP (FOUSP) e presidente da Câmara Técnica de Dentística do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (CROSP), Sérgio Botta, o ideal é que o dente seja levado ao consultório odontológico para descarte adequado, em lixeira específica para resíduos biológicos tipo A, com saco branco e símbolo de infectante. Outra alternativa é encaminhá-lo a bancos e biobancos de dentes humanos, que desenvolvem pesquisas científicas com amostras doadas.

A Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (FOUSP) criou, em 2002, o Banco de Dentes Humanos (BDH-FOUSP), o primeiro do Brasil e da América Latina. Anualmente, cerca de 1.200 dentes humanos são destinados a projetos de pesquisa e treinamentos laboratoriais pré-clínicos.

“O BDH da FOUSP é pioneiro em fazer campanhas de conscientização [como ‘O Endereço da Fada do Dente’, que une o aspecto lúdico ao científico, incentivando doações], tanto dentro da Faculdade, onde realiza palestras sobre a importância do órgão dental para os ingressantes no primeiro ano de graduação do curso de Odontologia da FOUSP, quanto fazer campanhas de conscientização para a população, com visitas a escolas públicas para orientação de higiene oral e palestras sobre a importância do dente. Além disso, há também visitas-guiadas de escolas públicas infantis às dependências do BDH”, explica Sérgio Botta.

Sérgio complementa que os dentes são entregues voluntariamente, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que autoriza a coleta e o uso das amostras em pesquisas para biobancos. “A obtenção dos elementos dentais pode ser realizada de maneiras distintas, sendo a maior parte efetuada em hospitais, clínicas particulares, postos de saúde e nas clínicas das faculdades de Odontologia, sempre por meio da permissão do doador”, finaliza.