Nota Pública pela preservação das prerrogativas da Odontologia Legal na Proposta de Emenda à Constituição que inclui as polícias científicas no rol dos órgãos de segurança pública

O Conselho Federal de Odontologia (CFO), juntamente com os Conselhos Regionais de Odontologia dos 26 estados da federação e do Distrito Federal, vem a público manifestar posicionamento institucional quanto à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 76, de 2019, que altera a Constituição Federal para incluir as polícias científicas no rol dos órgãos de segurança pública.

O Sistema Conselhos de Odontologia reconhece o valor da referida iniciativa legislativa, que visa consolidar a perícia oficial de natureza criminal como função de Estado essencial à Justiça. Trata-se de medida necessária para que seja garantida a autonomia das polícias científicas, que são responsáveis pela importante missão de proceder a perícia oficial em investigações criminais. Da mesma forma, a PEC deverá promover a valorização das carreiras periciais e o fortalecimento dos mecanismos de apuração de infrações penais com base em métodos científicos.

Contudo, cumpre-se destacar que, para que tais avanços possam ocorrer de fato, há urgente necessidade de adequação da proposta que se encontra em tramitação no Senado Federal. Isto porque o texto generaliza o conceito de “perito criminal”, sem a devida distinção entre as áreas de atuação, o que significará, sem sombra de dúvidas, a desvalorização da análise técnica especializada que caracteriza o trabalho do perito legista.

Destaca-se ainda que ao igualar as competências e funções gerais dos peritos criminais, sem que sejam observadas a formação, área de atuação e capacidade técnica dos mesmos, assume-se o risco de subvalorização das avaliações periciais, comprometendo a Justiça e a credibilidade das instituições periciais perante a sociedade. Além disso, tal generalização pode prejudicar a qualidade do atendimento prestado à população, uma vez que ao cidadão deve ser lançado não apenas um olhar técnico, mas também humano, que é inerente ao exercício profissional na Odontologia, assim como na Medicina.

Desta forma, o Conselho Federal de Odontologia manifesta publicamente que a modernização institucional que a PEC busca alcançar só será tecnicamente adequada e juridicamente coerente, mediante alteração do texto para que seja preservada a singularidade das atividades da Odontologia Legal dentro da estrutura da perícia oficial.

A Odontologia Legal constitui área técnica especializada com competências privativas estabelecidas na Lei Federal n. 5.081/1966, art. 6º, IV, que assegura ao cirurgião-dentista o direito de proceder à perícia odontolegal em foro criminal. Além disso, o exercício da Odontologia Forense no serviço público demanda formação superior específica e inscrição ativa no respectivo Conselho Regional, conforme art. 13 da Lei 4.324/1964 e art. 2o da Lei 5.081/1966. Tais prerrogativas legais devem ser respeitadas.

O CFO ressalta ainda que as perícias odontolegais têm como objeto os vestígios humanos, notadamente a identificação de vítimas por meio de arcada dentária, exames de lesões bucais em vítimas de violência, avaliação de traumas faciais, exames antropológicos, entre outros. A natureza dessa atividade exige, portanto, conhecimento técnico-clínico aprofundado e sensibilidade humanística, não se confundindo com as demais perícias de caráter criminalístico voltadas a objetos, substâncias ou locais de crime.

No âmbito dos Institutos Médico-Legais (IMLs), é comum a atuação integrada de médicos e cirurgiões-dentistas, especialmente em atividades de identificação humana. Tais espaços exigem uma estrutura própria, com protocolos diferenciados, atuação ética supervisionada por conselhos profissionais e, em muitos casos, atendimento humanizado aos familiares das vítimas. Ignorar essas particularidades seria desconsiderar a função social da Odontologia Legal como elo entre ciência, cidadania e justiça.

Justamente pelos motivos expostos, a Lei Federal 12.030/2009 classifica como peritos oficiais de natureza criminal os peritos odontolegistas, os peritos médico-legistas e os peritos criminais.

Diante disso, o CFO entende que a Proposta de Emenda Constitucional deve contemplar, de modo claro e inequívoco, a distinção entre as perícias de natureza odontomédico-legal e as perícias criminalísticas em sentido estrito, garantindo aos profissionais da Odontologia Legal o espaço técnico e institucional que lhes é devido.

A definição clara da atividade como sendo privativa de profissionais da área da saúde, como médicos e cirurgiões-dentistas, também possui implicações diretas na possibilidade de acumulação lícita de cargos públicos, conforme previsto no art. 37, inciso XVI, da Constituição Federal, que hoje é garantida a esses profissionais.

O CFO confia na sensibilidade dos senhores senadores da República para que possam avaliar as considerações aqui expostas e promover as alterações necessárias ao texto da PEC, de forma a assegurar à sociedade uma perícia oficial plural, tecnicamente qualificada e fiel ao princípio da legalidade.

Para acessar o arquivo da Nota Pública, clique aqui.