Cirurgiões-dentistas possuem direito à aposentadoria especial? O programa CFO Esclarece responde a essa pergunta

Recente decisão da 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) confirmou, por unanimidade, o direito de uma cirurgiã-dentista à aposentadoria especial, reconhecendo a exposição a agentes nocivos biológicos durante o exercício da Odontologia. A notícia repercutiu no meio jurídico e entre a classe odontológica fazendo reacender os debates e questionamentos sobre o direito dos cirurgiões-dentistas à aposentadoria especial. O programa CFO Esclarece aborda o tema para responder a essa questão.

Embora oficialmente os cirurgiões-dentistas não tenham o direito automático à aposentadoria especial reconhecido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a 9ª Turma do TRF1 decidiu pela concessão do benefício com base no entendimento de que a exposição a agentes biológicos caracteriza tempo de serviço especial, nos termos do artigo 57, §3º, da Lei Federal 8.213 de 1991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social. O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) foi condenado a conceder o benefício e pagar os valores retroativos desde 2 de março de 2015.

Segundo divulgado pelo TRF1, o relator do caso, desembargador federal Urbano Leal Berquó Neto, ao analisar os autos, observou que “a caracterização do tempo de serviço especial obedece à legislação vigente à época em que foi efetivamente executado o trabalho” e que “houve a devida comprovação da exposição da autora a agentes nocivos por meio de Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP)”. A cirurgiã-dentista comprovou, por meio do PPP, ter exercido funções como clínica geral, odontopediatria, ortodontia e ortopedia dos maxilares com contato direto com material de desinfecção hospitalar e consequente risco infectocontagioso.

O magistrado pontuou que para fins de aposentadoria especial “exige-se a probabilidade da exposição ocupacional, avaliando-se, de acordo com a profissiografia, o seu caráter indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço, independentemente de tempo mínimo de exposição durante a jornada”. O voto foi acompanhado pelo Colegiado no processo nº 1002222-11.2018.4.01.3400.

Na prática, o que a decisão significa?

A Chefe do Departamento Jurídico do Conselho Federal de Odontologia (CFO), Solange Gonçalves Dias, esclarece que a sentença confirmada pela 9ª Turma do TRF1 tem validade apenas para as partes envolvidas naquele processo, ou seja, para a cirurgiã-dentista que moveu a ação e para o INSS. “Isso significa que a decisão não se aplica automaticamente a outros profissionais. Em termos mais simples, ela resolve exclusivamente aquele caso específico, não sendo uma regra geral que obrigue o INSS a conceder aposentadoria especial para todos os dentistas em situação semelhante”, explica.

Por outro lado, Solange Dias destaca que, mesmo sem efeito obrigatório para outros casos, essa vitória tem um impacto positivo para toda a classe odontológica. “A decisão reforça um entendimento que já vem sendo adotado de forma consistente pelos tribunais, no sentido de que o risco biológico enfrentado no exercício da Odontologia não é totalmente eliminado pelo uso de equipamentos de proteção individual. Por isso, esse risco é reconhecido como suficiente para caracterizar tempo de serviço especial”, detalha.

A procuradora do CFO complementa que o acórdão pode ser usado como jurisprudência por outros cirurgiões-dentistas que desejem buscar o mesmo direito na Justiça. “Na prática, isso quer dizer que outros dentistas podem apresentar essa decisão como referência em seus próprios processos, mostrando que já existem casos julgados favoravelmente. Isso aumenta a segurança jurídica para quem decidir ingressar com ação, embora não garanta o direito automaticamente. Em resumo, a decisão não vale de forma direta para todos, mas serve como um precedente muito importante”, finaliza Solange Dias.

Comprovação documental é fundamental
A advogada Tatiane Alves de Oliveira, que é especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário e palestrante do Programa Integração do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (CROSP), destaca que a aposentadoria especial está prevista no artigo 201, § 1º, da Constituição Federal, sendo um benefício concedido aos segurados do INSS que trabalharam em condições prejudiciais à saúde. No caso do cirurgião-dentista, essa situação fica caracterizada pela exposição a agentes químicos, físicos e biológicos nocivos à saúde, entre eles mercúrio, radiação ionizante, materiais infectocontagiosos, vírus e bactérias.

A especialista destaca que todos os profissionais da Odontologia possuem o direito constitucional ao benefício especial, desde que possam comprovar a exposição aos agentes nocivos à saúde. Para que essa confirmação ocorra, é necessário o ingresso com processo judicial e apresentação de provas documentais feita principalmente por meio do Laudo Técnico de Condições Ambientais do Trabalho (LTCAT) e do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP). Por isso, Tatiane Oliveira destaca a importância de os cirurgiões-dentistas demonstrarem o trabalho efetivo com exposição aos agentes nocivos, sendo importante a guarda de toda a documentação que comprove o exercício da profissão em consultório e a consequente exposição a agentes nocivos.

“Essa decisão do TRF1, assim como diversas outras de teor semelhante, é importante porque faz com que seja assegurado o direito constitucional à aposentadoria especial a profissionais da classe odontológica. É importante frisar que essa profissional, alcançada pela decisão, conseguiu comprovar a insalubridade das atividades que exerceu ao longo de sua trajetória profissional. Então, em todas as minhas palestras, minha principal mensagem é que os profissionais realizem a guarda adequada de toda a documentação que pode ser usada para comprovação da exposição aos agentes nocivos”, destaca a advogada Tatiane Oliveira.