A sucção é um comportamento instintivo e natural, mas pode gerar problemas fisiológicos, estéticos, emocionais e até de convivência em sociedade.
Os bebês chupam os dedos ainda no útero materno. Fazem isso para fortalecer as musculaturas responsáveis pelos movimentos da sucção, o que, depois do nascimento, tornam possíveis as mamadas. A sensação de conforto acalma a criança, que passa a relacionar o gesto com o estado de segurança e aconchego. O hábito pode durar um certo tempo, e tem como aliados os dedos, as chupetas e até as pontas de fraldas. Mas os problemas só aparecem quando o gesto se torna frequente, e se estende para além do primeiro ano de idade. Muito além, mesmo, como ocorre em alguns casos em que o “vício” persegue a pessoa até os 30 anos de vida.
“Sabe-se que a sucção é um ato reflexo dos primeiros meses de vida, função vital para o bebê, tendo início na gestação, aproximadamente na 29ª semana, sendo que o seu amadurecimento ocorrerá até a 32ª semana de vida uterina, dando condições ao bebê de sugar o seio materno para sua alimentação e sobrevivência”, explica a fonoaudióloga Cristiane Tanigute.
De acordo com a especialista, o bebê chupa o dedo — sucção não nutritiva — quando a saciedade de fome é eliminada antes da necessidade natural de sucção. Isto ocorre a fim de eliminar a energia muscular produzida para exercer essa função ou como uma forma de compensação emocional.
“Já a persistência pode ocorrer tanto pelo desenvolvimento de uma mania, gerada pelas sensações de prazer, como também pode ser indício de ansiedade”, alerta Patrícia Cerejo, especialista em psicologia infantil. Por isso, antes de se preocupar com a interrupção do hábito, deve-se tentar descobrir a origem do comportamento.
“Se é apenas uma mania, um gesto automático, pode-se substituir o dedo por outra forma de aconchego, de conforto emocional, dependendo da dinâmica familiar e das preferências da criança”, sugere. Mas nos casos de um comportamento ansioso, antes de retirar o hábito, deve-se diagnosticar e solucionar a causa da ansiedade.
O retorno
Chupar o dedo pode ser sintoma de dificuldade com o enfrentamento de uma situação nova: “É comum, por exemplo, que uma criança que não chupava mais o dedo, com nascimento de um irmão, volte ao hábito”, conta. Cerejo alerta também para o prejuízo social que o hábito pode causar: “A criança pode ser excluída do grupo pelo comportamento infantilizado, já que os colegas remetem o gesto de chupar o dedo a uma atitude de bebês”, afirma.
Para a especialista, quando o hábito persiste é necessária a atuação de uma equipe multidisciplinar, com atuação de psicólogo, fonoaudiólogo e dentista.
Tanigute afirma que não existe uma idade certa para interromper o gesto, mas o ideal é que persista apenas enquanto ocorrer o uso do bico, tanto do peito quanto da mamadeira, ou seja, até o primeiro ano de vida. “Depois disso, pode ocorrer atrasos e alterações de fala, do desenvolvimento e amadurecimento da mastigação e deglutição, de posição dos lábios, causando respiração oral ou mista, e até mesmo problemas na aceitação de determinados alimentos”, alerta.
Para os dentistas, o período de sucção não nutritiva é tolerado até os 4 anos de idade, quando é possível constatar maloclusões — desvio do fechamento normal da boca —, dependendo da duração, frequência e intensidade do hábito de sucção. “Essas maloclusões poderão interferir na execução das funções de respiração, deglutição, mastigação e fala, casos em que a fonoaudiologia poderá intervir”, destaca.
A fonoaudióloga defende que a eliminação do hábito depende muito da dedicação e da disciplina dos pais, familiares e cuidadores das crianças, como avós e babás. “Normalmente, usamos manobras que dependem da execução em casa, como envolver o dedo com materiais colantes, desenhar objetos ou personagens na superfície interna do dedo ou na unha da criança, ou substituir o dedo por outro objeto”, explica.
O trabalho na terapia fonoaudiológica envolve a conscientização da criança e a mudança de posturas e formas de executar a respiração, mastigação, deglutição e fala. Segundo a especialista, o tempo do tratamento depende de cada criança e do seu núcleo familiar, e também do diagnóstico que estabeleça o possível motivo do hábito. “Em casos que envolvam o emocional, a indicação do psicólogo faz-se necessária, podendo o atendimento ser executado pelos dois profissionais simultaneamente. E se a maloclusão, também já estiver instalada a presença do ortodontista na equipe de tratamento será primordial”, completa.
Gesto automático
A palavra mania vem do grego e significa loucura, ou um sintoma de graves distúrbios psíquicos. Mas, na concepção popular, virou sinônimo de tique nervoso, caracterizado pela repetição de gestos e elevado grau de dependência desses atos quase mecânicos, imperceptíveis muitas vezes para quem os pratica, como roer unhas ou chupar o dedo. Pode significar também fixação em determinados hobbies, como colecionar besouros, selos etc.
Hábito vem desde a barriga da mãe
Fabiano Masson Boschini tem 31 anos, começou a chupar o dedo ainda quando bebê, dentro da barriga da mãe, e faz isso até hoje. O gerente comercial diz que aprecia a sensação de conforto, alívio e segurança do hábito. “Chupo o dedo polegar desde bebê, e segurando a orelha, que de preferência tem que estar gelada”, conta sem constrangimento.
Casado, ele diz que os momentos em que recorre ao polegar são os de tranquilidade, como após o almoço e antes de dormir. “Não tenho problema algum em chupar o dedo em frente aos meus amigos e familiares e nunca sofri nenhum tipo de repreensão”, completa.
“Chupar dedo provoca deformações na estrutura bucal devido à quebra do equilíbrio muscular entre lábios, bochecha e língua”, explica o especialista em ortodontia infantil Sidney Medeiros.
As alterações dentárias ou de estrutura da cavidade oral dependem da duração da frequência e da intensidade do hábito de sucção, sem desconsiderar também outros fatores, como interferências ambientais e hereditárias. “Quando o hábito de sucção persiste até os 4 anos, há uma prevalência maior de problemas como mordida aberta anterior e mordida cruzada posterior com saliência excessiva”, conta.
O hábito também provoca retrognatismo mandibular, prognatismo maxilar, musculatura labial superior hipotônica, musculatura labial inferior hipertônica, atresia do palato, interposição de língua e respiração bucal. Nesses casos existe a alternativa de aparelhos, como a grade palatina, usados para desestimular o hábito.
De acordo com Medeiros, o aparelho, que pode ser fixo ou móvel, deve permanecer por seis meses na boca da criança para eliminar completamente o costume.
Fonte: Correio Braziliense – 17/07/2010