Brasil tem grande número de profissionais, mas distribuição desigual atinge duramente regiões mais pobres do país. Líderes da classe sugerem incentivo do Estado para diminuir saturação de odontólogos nas capitais e em áreas com alta renda.
Uma pesquisa da Organização Pan-americana de Saúde, do Ministério da Saúde e do Observatório de Recursos Humanos em Odontologia traçou o perfil dos dentistas brasileiros e constatou que, enquanto há uma grande concentração de profissionais nos grandes centros urbanos como São Paulo, as regiões mais pobres e distantes sofrem enormemente com a falta de atendimento. Especialistas garantem que estimular a descentralização da oferta de atendimento é essencial na oferta de um serviço de saúde de qualidade.
A pesquisa concluiu que os quase 220 mil dentistas existentes atualmente são mais do que suficientes para oferecer um atendimento de qualidade para a população. A média nacional, de um odontologista para cada 838 habitantes, é uma das melhores do mundo. “O desafio é interiorizar tanto a formação quanto o acesso para esses profissionais”, explica a coordenadora do estudo, a professora do departamento de Medicina Oral e Odontologia Infantil da Universidade Estadual de Londrina (UEL) Maria Celeste Morita.
Apesquisa mostra que, mesmo com uma quantidade adequada de profissionais no país, a maioria ainda se localiza nas regiões Sudeste e Sul. Juntos, os sete estados dessas regiões concentram quase 75% de todos os dentistas brasileiros, deixando apenas 25% para as outras 20 unidades da federação. Só o estado de São Paulo abriga um terço de todos os profissionais da área.
Por outro lado, a maioria dos 85 milhões de brasileiros que vivem nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste experimentam uma realidade diferente. No Norte, são 1,8 mil pessoas, em média, para cada profissional, e em alguns municípios do Nordeste, como em Paçatuba (CE), esse índice dispara para mais de 65 mil para cada dentista, um número 77 vezes maior que a média nacional.
Prejuízos
Ter um dentista próximo de casa não é apenas uma questão de comodidade. A necessidade de deslocamento para outras regiões em busca de tratamento dificulta o acompanhamento constante e preventivo. “Se um paciente tem que ir pra outra cidade, ele só procura o dentista quanto sente dores, e o tratamento acaba sendo muito mais difícil. A proximidade com esse profissional de saúde facilita um diagnóstico precoce e um tratamento mais eficaz”, explica Maria Celeste Morita.
Uma das razões dessa má distribuição é a concentração das faculdades de odontologia. O Sudeste concentra metade das instituições do tipo no país. O Nordeste, menos de 10%. Quando se analisam cursos de pós-graduação, a situação é ainda pior. O Norte não possui nenhum mestrado ou doutorado na área, enquanto o Sudeste ostenta sozinho 75% das pós-graduações na área.
Para o presidente da Associação Brasileira de Odontologia (ABO), Norberto Lubiana, a solução do problema passa por uma política pública de estímulo à fixação dos profissionais em áreas mais distantes. “O governo precisa articular com urgência uma política de estímulo, inclusive financeiro, para que profissionais formados em outras regiões optem por trabalhar em áreas mais carentes”, conta.
O Ministério da Saúde sustenta que já tem adotado medidas para tentar amenizar a má distribuição de profissionais. Segundo a diretora do Departamento de Gestão da Educação na Saúde, Ana Estela Haddad, uma das medidas que pode ajudar no enfrentamento do problema é a volta dos pareceres do Conselho Nacional de Saúde quando o Ministério da Educação vai autorizar, reconhecer ou renovar cursos de odontologia no país. “Nessas áreas com grande concentração, o conselho só dá parecer favorável se o curso em questão for extremamente inovador”, diz.
Para conseguir com que os profissionais optem por se fixar nas chamadas regiões de vazio assistencial, Ana Estela aposta em uma medida que está sendo preparada para vigorar, em um primeiro momento, para médicos: garantir um bom desconto na amortização dos pagamentos das dívidas estudantis para quem escolher trabalhar nessas áreas. É uma medida de estímulo financeiro como a apregoada pelo presidente da ABO.
Juventude
Outro dado apontado na pesquisa foi a pouca idade dos dentistas brasileiros. Cerca de 55% têm menos de 40 anos. Para a responsável pelo estudo, isso favorece ainda mais a concentração. “Nessa idade, o profissional está constituindo família e, assim, ele escolhe se fixar em lugares que não só tenham oportunidades para ele, como boas escolas e opções culturais para os filhos, como para o cônjuge”, diz Maria Celeste.
DF também tem má distribuição
O Distrito Federal tem uma situação privilegiada, com uma média de 438 dentistas por habitante — a segunda melhor do Centro-Oeste, perdendo apenas para Goiânia, onde o número é de 346. Para o presidente do Conselho Regional de Odontologia (CRO), Júlio César, a ótima proporção se deve ao alto poder aquisitivo na capital. “Um local com alta renda e ótima qualidade de vida como Brasília atrai o estabelecimento desses profissionais”, analisa.
Mesmo com a grande quantidade, o DF também possui problemas na distribuição interna dos profissionais. A grande maioria ainda se concentra em regiões próximas ao Plano Piloto. Em cidades mais distantes, como Gama, Ceilândia e Brazlândia, a quantidade de dentistas ainda é pequena. “Pela mesma razão que os profissionais preferem Brasília pela alta renda, a baixa renda expulsa os profissionais desses outros locais”, completa César.
Fonte: Correio Braziliense – 25/10/09