Doses de alto risco

A automedicação é um dos principais problemas de saúde pública no Brasil e no mundo. OMS lança um guia com orientações sobre uso de 240 medicamentos essenciais para crianças de 0 a 12 anos.

Todo brasileiro tem uma farmacinha em casa. Ou quem não se lembra daquelas orientações de parentes sobre o que tomar quando sente algo? O que poucos sabem é que todo medicamento pode causar efeitos colaterais, independentemente de ser fitoterápico, com ou sem tarja (quando a receita médica não é exigida). A automedicação é muito comum e também muito perigosa. Pode parecer um recurso mais barato e prático, já que dispensa a consulta com um médico especializado. Mas pode sair muito mais cara ao esconder alguma doença grave ou causar alguma reação inesperada.

Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) revelam que mais de 10% das internações hospitalares são causados por reações adversas a remédios; e o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox) afirma que essas drogas ocupam o primeiro lugar entre os agentes causadores de intoxicação.

O consumo irregular de remédios está intimamente ligado à prescrição e às vendas irregulares, quando este começa a se processar com as costumeiras indicações de parentes e de balconistas das farmácias e drogarias. Antônio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica, alerta para os riscos da automedicação: “Qualquer tratamento pressupõe um diagnóstico feito por um médico e uma interferência no tratamento pode acarretar problemas sérios, desde interação medicamentosa até agravamento de doenças pré-existentes, como diabetes e problemas renais, cardíacos e hepáticos”.

Ineficiência

O especialista acusa a ineficiência do sistema público de saúde como um dos culpados por essa prática: “Com os hospitais sempre lotados, a população acaba recorrendo à automedicação para sanar com mais rapidez os sintomas”, observa.

O Ministério da Saúde coordena o Comitê Nacional para Promoção do Uso Racional de Medicamentos. Segundo o diretor do Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, José Miguel do Nascimento Jr., consumo racional de medicamentos consiste em recorrer a remédios somente quando forem realmente necessários, em doses adequadas, de acordo com a prescrição médica e até o fim do tratamento.

O comitê busca identificar e propor estratégias de articulação, monitoramento e avaliação da promoção do uso racional de medicamentos. Para Nascimento, a automedicação é um mau hábito da população brasileira. “Na verdade é uma conduta de risco, que causa prejuízos para o próprio cidadão e para o sistema público de saúde”, afirma o diretor.

Pais e Filhos

Semelhante ao que ocorre com a automedicação, muitos pais receitam remédios aos próprios filhos. “Já houve um caso em que uma mãe deu antibiótico por um mês para a criança achando que era vitamina. Além de poder causar resistência ao medicamento, isto pode provocar problemas sérios de saúde, principalmente em crianças”, adverte Vera Bezerra, presidenta da Sociedade Brasileira de Pediatria do Distrito Federal e professora de Pediatria na Universidade de Brasília (UnB).

De acordo com a pediatra, outra ocorrência corriqueira é a confusão que os pais fazem em relação à dosagem de medicamentos. “O tamanho das colheres que as famílias têm em casa varia muito. Uma colher de café, por exemplo, pode variar entre 1 a 2,5 ml. Dependendo da medicação, faz uma grande diferença. Por isso prefiro receitar os remédios líquidos, que já vêm com uma pequena seringa para medição. É mais seguro, inclusive, do que os copinhos”, ressalta.

Segundo a OMS, todos os anos morrem mais de 8 milhões de crianças. Muitas dessas mortes são causadas por doenças como diarreia e pneumonia, que poderiam ser evitadas com a utilização correta de medicamentos. Por isso, a pediatra aconselha aos pais que sigam rigidamente as recomendações, e que nunca deem remédios aos filhos sem prescrição médica, muito menos com a orientação de parentes, amigos ou até mesmo balconistas de farmácias e drogarias, que não têm capacitação suficiente para receitá-los.

Controle mais rígido

A chefe de cozinha Andrea Munhoz, 33 anos, segue atentamente as recomendações médicas no que diz respeito à sua filha. Andrea diz que leva Júlia, 3, com frequência, ao homeopata, e que quando a criança tem algum mal- estar corriqueiro primeiro recorre à homeopatia e depois, com algum outro sintoma mais grave, leva ao médico.

“Sempre que a Juju tem febre ou algum outro problema mais sério, levo logo ao pediatra”, conta. Mas no que se refere a medicamentos tarjados é firme: “Nunca dei nenhum remédio para ela sem a recomendação de um médico, independentemente de palpites de familiares.”

Este mês a OMS publicou um guia com orientações para médicos sobre o uso de mais de 240 medicamentos essenciais para o tratamento de crianças de 0 a 12 anos. O guia traz informações sobre uso, dosagem, efeitos colaterais e contraindicações. O objetivo foi universalizar os dados para que os médicos possam prescrever remédios com maior segurança e precisão.

O guia ainda está disponível apenas em inglês, mas a área técnica do Ministério da Saúde já estuda a possibilidade de tradução e distribuição de um modelo em português.

Antibióticos

Os antibióticos correspondem a 40% da venda total de remédios no país. Devido ao uso indiscriminado, a partir de setembro deste ano, por determinação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), este tipo de medicamento poderá ter a venda controlada. O sistema deverá ser semelhante ao da venda de pscicotrópicos, além da exigência da receita, farmácias e drogarias irão preencher um formulário com dados da prescrição, do médico e do comprador.

Os cinco antibióticos mais vendidos, como a amoxicilina, passarão por um controle ainda mais rígido, com notificação eletrônica enviada às vigilâncias sanitárias por meio do Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados. “Usado para tratar infecções, consumir antibióticos sem orientação médica pode fazer com que ocorra resistência ao medicamento, tornando-o ineficaz quando realmente teria de ser necessário.

Isto pode atém mesmo agravar o quadro da infecção numa outra ocorrência”, afirma Abraão José Cury Jr., especialista em clínica médica e presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica de São Paulo.

Fonte: Correio Braziliense – 02/07/2010