Um novo tipo de terapia gênica conseguiu recuperar pulmões que haviam sido doados para transplantes, mas estavam lesionados por inflamações. Com um sistema especial para manter os órgãos vivos e funcionando fora do corpo, cientistas liderados por um médico gaúcho no Canadá conseguiram tratá-los e torná-los aptos para cirurgia injetando um vírus inerte que distribuiu DNA terapêutico nas células.
“Mantivemos os pulmões por 12 horas no sistema de perfusão [que preserva o órgão extraído vivo e ativo, sem precisar refrigerá-lo] e testamos sua função”, conta Marcelo Cypel, o brasileiro que liderou o trabalho, descrito em estudo na edição de hoje da revista “Science Translational Medicine”. “Os órgãos que ficaram no sistema, mas não receberam terapia gênica, mantiveram-se estáveis, mas não melhoraram. Aqueles que receberam a terapia mostraram uma melhora, com regeneração de tecido.”
O sistema de perfusão –também criado pelo grupo de Cypel– acaba de passar com sucesso por um teste clínico em pacientes no Canadá. Evitando a deterioração de órgãos para doação, os cientistas conseguiram aumentar de 100 para 120 o número de transplantes que o seu hospital faz por ano.
O grupo pediu agora autorização para um teste em que os pulmões tratados com DNA também possam ser implantados em pacientes, o que deve ocorrer no ano que vem.
Na nova terapia, o gene que o vírus espalha nos pulmões é responsável pela produção da proteína interleucina-10, de efeito anti-inflamatório. Produzida dentro das células do órgão tratado, ela inibe inflamações induzidas pela extração do órgão e sua implantação.
Não é possível, porém, usar a terapia gênica sem o sistema de perfusão. Cypel explica que a técnica não funcionaria em pulmões mantidos sob refrigeração, método geralmente empregado para preservar o órgão.
Segundo o médico, o uso da máquina ainda é relativamente caro –US$ 4 mil por transplante–, mas é compensado com uma melhora na função do órgão. Isso reduz o número de dias que o paciente fica na UTI. “Aqui em Toronto o custo costuma ser de US$ 10 mil para esse tipo de cirurgia”, diz.
Cypel conta que a adoção do sistema já vem sendo negociada pelo Hospital das Clínicas de São Paulo, onde a fila para transplante é de dois anos. O médico diz esperar que a tecnologia ajude a atenuar a demora, como ocorreu no Canadá.
Se, no futuro, os pulmões tratados com terapia gênica tiverem o desempenho esperado após implantados em humanos, a fila pode diminuir ainda mais, pois órgãos hoje rejeitados para transplante poderiam ser recauchutados.
Fonte: Folha Online – 29/10/09